(Sobre) Viver à sombra

(por María Pía Bartolomé)

Muito do sucesso das empresas familiares está em um sólido vínculo filial, que evolui e é enriquecido junto com o negócio, para projetar o legado do fundador, envolver o olhar e a contribuição das novas gerações e dar-lhe uma sensação de transcendência. Paradoxalmente, é nesse mesmo núcleo que se sustentam as mais complexas tramas de suspeita, desconfiança e frustração que impedem tantos outros empreendimentos de avançar, muito mais vezes do que imaginamos. São traços do nosso lado mais sombrio, como seres humanos, que no caso de uma empresa familiar podem se tornar, para os sucessores, um enorme obstáculo em seu próprio desenvolvimento.

Legitimamente, um fundador transformado em ícone para a comunidade, capaz de criar um patrimônio de valor incalculável para ele, empurrando por anos, à mão e praticamente sozinho, a empresa familiar, pode desconfiar das habilidades daqueles que devem assumir seu legado mais cedo ou mais tarde. Se acrescentarmos a isso uma personalidade absolutista, onde o desejo de perpetuar sua obra está acima dos afetos para com os seus, o trauma pode causar feridas muito difíceis de superar.

Diante desses personagens feudais, provavelmente nenhuma habilidade de seus sucessores é suficiente. Esse tipo de empreendedor, com nuances, é mais comum do que parece. Os mais próximos a ele são os mais atormentados por seu desdém, irracional e incompreensível. Ele os trata de forma diferente do resto de seu círculo. Em alguns casos, convida-os a juntarem-se ao projeto, oferecendo-lhes para apostarem em tornarem-se os líderes do negócio no futuro, em troca de salários abaixo do mercado – porque este também é “seu” – ou atribuindo-lhes funções que outros profissionais não estariam dispostos a assumir, com o objetivo de os manter ocupados e, espera-se, de erradicar qualquer tentativa de um voo intelectual que os afaste da empresa ou que lhes possa tirar o trono.

No entanto, tentar viver ou sobreviver à sombra de um fundador gradualmente começará a tornar os sucessores e o ecossistema desconfortáveis. E se alguma desses filhos decidir partir e alçar seu próprio voo, provavelmente será acusado de traição e falta de lealdade ao projeto familiar ou ao fundador, que acabam sendo a mesma coisa. Outros, mais temerosos, submeter-se-ão a essa “prisão de ouro” por uma lealdade inconsciente ao todo-poderoso pater familias, do qual querem conquistar seu afeto e preferência; pelo desejo genuíno de conquistar uma posição que se sente absolutamente merecida, porque quer seguir os passos de seu pai que admira ou porque não tem o dom de construir desafios por conta própria.

Sem julgar nenhuma das partes ou buscar razões mais profundas – que existem – entende-se que o processo de transferência do legado pode ser visto como um vale de sombra difícil de atravessar. No entanto, torna-se mais passável quando é possível motivar e emocionar os filhos e filhas com o modelo, em um ambiente afetuoso, quando são reconhecidos, por menores que sejam, suas contribuições ou quando lhes é permitido se envolver de tal forma que acabem vestindo a “camisa” para o legado, sentindo que é deles também. Para isso é necessário deixar o papel de chefe para se tornar um líder e que suas capacidades não só lhes permitam construir um império, mas também perpetuá-lo.

Mas há também um caminho de liberdade para quem está “preso”: sair do sistema, tomar conta do próprio futuro. São corajosos de outro tipo que decidem sair da falsa sensação de segurança proporcionada pela sombra da empresa familiar, para empreender seus próprios desafios, mas não sem antes perder a corda daquelas múltiplas razões que os mantiveram presos a uma relação prejudicial chefe/empregado, para começar a reconstruir um vínculo pai/filho mais saudável.

María Pía Bartolomé

Gerente de projetos na Proteus Management, com mais de 15 anos de experiência internacional em Governança Corporativa, Governança Familiar, Redesenho Organizacional, Design de Family Office, Coaching para famílias empresárias. Experiência como pesquisadora em Conselhos de Família. É Psicóloga Clínica pela Universidade Diego Portales (UDP), Mestre em Comportamento do Consumidor pela Universidad Adolfo Ibáñez (UAI) graduada como melhor Aluna; Coaching Estratégico no Centro MIP (María Inés Pesqueira) e do Programa GOVERN da UAI (Universidade Adolfo Ibáñez). É autora de cases, artigos e dinâmicas para empresas familiares latino-americanas. Palestrante nacional e internacional.  Colunista do Diario Estrategia.

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