Estava eu aproveitando um lindo e ensolarado Domingo de inverno na praia, litoral norte de São Paulo, quando a pausa no jogo de beach tennis me leva a uma inesperada conversa sobre governança de empresas familiares. “Como assim?”, seria a pergunta óbvia, que qualquer pessoa que estivesse acompanhando a história, faria.
Explico. Entre as várias pessoas que se revezavam na quadra montada sob o sol gentil de junho, havia um senhor de uns poucos cabelos brancos, talvez nos seus 65 anos ou mais, que conversava animadamente, uma vez que sua dupla havia saído da disputa na rede na areia. Contava ele: “… foram apenas 22 dias de aposentadoria, o máximo que tive de descanso! E lá estava eu, gerenciando um condomínio com 18 casas e uma pousada com 32 quartos.” Entendi que sua esposa trabalhara com redes de reservas hoteleiras, e um antigo cliente a chamou para retomar projetos que a pandemia tinha paralisado. O casal, que teve três semanas de descanso, resolveu adiar ainda mais a aposentadoria, por entender que gerenciar dois negócios familiares seria algo “simples”. Trabalhariam direto para o “dono”, que poderia ajudar no que fosse preciso. Sem conflitos, sem burocracia, sem o ritmo de empresas grandes e estruturadas que usam todas as horas disponíveis de seus empregados. Mal sabiam os conflitos, as ambiguidades e interferências com que teriam que lidar dali em diante.
Resolvi tomar essa interação com esse casal e sua aventura como gestores acidentais de empresas familiares, verdadeira, como base para ilustrar todo o leque de possíveis problemas. Gestores que enfrentariam desafios e teriam que lidar com intervenções dos donos, sócios, familiares que não eram donos, que visualizei em diferentes esferas hierárquicas dos negócios mencionados. Começando pelo mais básico em que ele nos contava sua história, o de desafios na operação. Neste nível, aborrecia ao recém-chegado gestor o fato de que a portaria e recepção da pousada só iria funcionar até as 23h, mas os hóspedes não deixavam de chegar madrugada adentro. Inevitavelmente estes viajantes tocavam as campainhas e telefones, e ele, como gerente e único representante do negócio que ficava no local, acabava tendo que abrir a porta, fazer o check-in do hóspede, levá-los até o quarto, para poder voltar ao seu descanso.
Então podemos ver algumas soluções para esses desafios na operação: contratar um porteiro noturno, usar um sistema de self-check-in, criar um sistema de plantão etc., decisões que o gestor pode e deve tomar.
Segundo dilema: a pousada havia sido fechada há três anos, e todos os investimentos da família proprietária tinham sido concentrados na construção das casas do condomínio. As obras para readequar a pousada, manutenção e renovação, estavam na metade do cronograma. Um dos sócios queria a reabertura imediata da pousada, permitindo reservas e hospedagem a pessoas que chegassem no balcão. Os outros dois sócios, a esposa e o cunhado, queriam esperar. E a saúde financeira dos demais negócio, como andavam? Poderiam se dar ao luxo de esperar mais um mês pelas receitas? Qual o endividamento de cada uma, com credores e acionistas? O que estes últimos esperavam de retorno de investimento, retorno de ativos, e que seriam cobrados do casal gestor – permaneciam incógnitas. Aliás, eu iria mais além, pensando nos interesses da família e outros sócios, se existirem – como seria o monitoramento sobre o casal gestor, quando e como mediriam seu sucesso e alinhamento com os objetivos dos negócios,
Aparecem, então, várias outras esferas: os sócios têm papéis na operação? Podem tomar a decisão de qual deveria ser a data de reabertura? E quanto ao investimento necessário para readequar a pousada para receber hóspedes – estava em um plano acordado pelos acionistas, com respaldo em um plano de negócios? De onde viria este capital: recursos próprios dos acionistas atuais, da entrada de um novo investidor, ou seriam contraídos empréstimos na praça?
Claro que não me intrometi nos negócios do amigo recém-adquirido na praia, mas bem que eu quis que ele elaborasse a questão de quem eram os sócios cotistas e herdeiros, quantas famílias participavam de forma direta ou indireta na sociedade e na gestão da empresa. Com o apoio do modelo dos 3 círculos, esta conversa fluiria com muita qualidade e utilidade.
A quem nosso amigo poderia e deveria levar um novo plano de negócios para que fosse aprovado o investimento necessário? A um conselho de família, simplesmente ao acionista majoritário (que parecia ser o senhor que era também dono das casas no condomínio), ao casal principal, ou haveria um grupo um pouco maior de familiares que tinham interesse na pousada e no condomínio? A esposa desse senhor também aparecia na pousada, e eventualmente solicitava ações do gerente, como pintar a fachada de outra cor. Compras de equipamentos, como quatro novas máquinas de lavar roupas, haviam sido providenciadas por um primo da dona da pousada, ou esposa do dono. Seriam casados mesmo? Teria ela participação acionária, ou apenas influência no “dono”? O “primo” que comprou as máquinas de lavar, seria parte da família proprietária, e teria encontrado o melhor preço para defender os interesses da pousada e manter os custos baixos? Estava este investimento aprovado pelo gestor interino ou anterior, estava no plano de negócios – mais perguntas a saber.
Aqui vemos linhas de potencial confusão, em que a ausência de uma descrição clara dos papéis de cada familiar pode levar a caminhos distantes da melhor gestão. O gestor deve ser o mais qualificado e profissional possível, para que a empresa seja mais rentável e longeva. Por mais experiência, boa vontade, boas intenções e energia para contribuir para o negócio que cada um dos familiares e/ou sócios possa ter, estes não devem poder forçar a empresa a agir segundo os seus desejos, que não estão necessariamente alinhados com o futuro sustentável da empresa.
Este nosso amigo da praia: deve ser monitorado como gestor, diretor geral da empresa (pousada)? Sem dúvida alguma! A governança corporativa da empresa familiar deve estabelecer isso, onde, por quem, com que frequência, e qual a pauta das reuniões do Conselho com a Gestão.
Na esfera acima, na da sociedade: como garantir que todos os sócios sejam ouvidos, todos os interesses considerados, nos pesos justos e legais? Bom, existe uma sequência lógica e coerente que nos permite, a partir da essência da família, construir uma estratégia bem definida, desde entender os desejos dos familiares, herdeiros e investidores, até o monitoramento dos gestores e as pautas de acompanhamento do progresso ao longo do ano.
Os negócios podem se deteriorar ou progredir, podem crescer ou virar pó, em função de uma boa ou má gestão. Também podem ir de um extremo ao outro, dependendo de como é tratada a questão dos sócios! Chegar a um acordo de quando investir, quando mudar o rumo da empresa, quando se associar a um grupo maior ou aceitar novos sócios, quais interferências os sócios podem ou não ter na gestão, isto é tão ou mais crítico se decidir quanto decidir as questões operacionais, financeiras, de marketing e vendas do negócio.
Mesmo sem saber a resposta, listei neste artigo algumas das perguntas essenciais que um processo de Governança Corporativa irá trazer de forma organizada para acertar a sociedade
Indiretamente e de forma mais eficiente, isso levará a uma empresa mais sustentável.
Portanto, é preciso agir.
Acabou de ser designado como gestor, diretor, presidente de uma empresa DE família? Ou entrastes como investidor em uma, não importa de que lado estejas. A ordem facilita a vida de todos. Comeces antes, atinja resultados com menos esforço.
Comecemos por diagnosticar em que ponto da escala de maturidade de governança a empresa se encontra, e para onde seguir. Dentre as metodologias existentes para cobrir as fases de descoberta, escolha uma que permita evoluir para o entendimento dos aspectos sociais que impactam a longevidade das empresas familiares. Como gestor de empresa, conselheiro e consultor, eu recomendo com muita convicção que cada empresa siga a rota da publicação sobre Metodologia. Com uma abordagem estruturada e que cubra os pontos dos interesses dos subgrupos familiares e investidores, do estágio atual da empresa e seu futuro, entrando nas particularidades de sua Essência, Estratégia, Papéis, Monitoramento e Sucessão, elimina-se grande parte dos riscos que rondam empresas DE família. Com um plano de negócios e um plano de como se monitorar a gestão e apoio dos sócios, remove-se a grande maioria das barreiras à longevidade da empresa. Bons negócios, boa gestão, bons resultados de seus investimentos!
Marcos A. Rittner – MBA – IBMEC em Mercado de Capitais. Engenheiro Aeronáutico pelo ITA- Instituto Tecnológico de Aeronáutica – Profissional com mais de 30 anos de carreira executiva em Gestão, Consultoria, Vendas e Estratégia de empresas multinacionais e nacionais dos segmentos de Tecnologia, Serviços e Indústria Pesada. Criador da Metodologia de Diagnóstico Empresarial, descrito em seu livro sobre Recuperação de Empresas. “A corda”, publicado em janeiro de 2017, disponível também em formato Kindle.
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