Como diferenciar e equilibrar funções Estratégicas e Operacionais para preservar a eficácia e a independência dos Conselheiros
(por Alexandre Oliveira, PhD)
O papel de um conselheiro consultivo é, por definição, estratégico, voltado para orientar empresas em decisões de alto nível e supervisionar práticas de governança. Contudo, não é raro que empresas, intencionalmente ou não, solicitem que conselheiros assumam funções mais próximas às de consultores, focadas em execução operacional e resolução de problemas específicos. Essa confusão de papéis compromete a independência e a eficácia do conselho como um órgão de supervisão estratégica.
Este artigo explora as razões por trás desse fenômeno, como identificar sinais de que essa situação pode ocorrer, o que fazer ao enfrentá-la, e em quais circunstâncias pode ser aceitável que um conselheiro assuma tarefas de consultoria sem prejudicar sua função principal.
A. Por que empresas contratam Conselheiros para funções de Consultoria?
Diferentes motivos levam empresas a contratar profissionais para conselhos consultivos, mas os direcionam para exercer tarefas típicas de consultores:
1. Confusão de Papéis entre Conselheiro e Consultor: Muitas empresas carecem de clareza sobre a distinção entre as responsabilidades de conselheiros, que são estratégicas, e de consultores, que têm foco operacional. Essa falta de entendimento pode resultar na delegação de tarefas práticas e de execução aos conselheiros, o que compromete sua independência e desvia seu foco das funções estratégicas essenciais. Por outro lado, frequentemente existe um movimento planejado das empresas, como destacado nos motivos a seguir.
2. Percepção de Credibilidade e Legitimidade: Conselheiros são amplamente vistos como figuras de prestígio, reconhecidos por sua experiência, imparcialidade e expertise, o que confere maior peso às suas opiniões estratégicas. Essa percepção favorece a aceitação de suas recomendações por stakeholders internos e externos, especialmente devido à legitimidade e autoridade que derivam de sua posição formal no conselho.
3. Acesso a experiência prática e rede de contatos: Conselheiros frequentemente trazem uma valiosa combinação de experiência prática no setor e redes de relacionamento estratégicas, que podem ser utilizadas para solucionar problemas específicos ou abrir novas oportunidades. Essas qualidades tornam-se especialmente importantes em questões operacionais ou táticas que exigem um conhecimento profundo e especializado.
4. Redução de custos: Envolver conselheiros em tarefas práticas pode ser considerado uma solução mais econômica em relação à contratação de consultorias externas, que geralmente operam com estruturas de honorários significativamente mais elevados. Para empresas menores ou em fases iniciais, essa abordagem é vista como uma estratégia eficiente para maximizar o retorno sobre o investimento nos conselheiros, otimizando recursos e aproveitando sua expertise.
5. Falta de estrutura interna ou recursos suficientes: Empresas em estágio inicial ou com estruturas internas limitadas frequentemente dependem de conselheiros não apenas para orientação estratégica, mas também para suporte técnico e operacional. Nesse contexto, a ausência de uma equipe dedicada pode levar os conselheiros a assumirem tarefas de execução, desempenhando papéis que vão além de sua função principal.
B. Como identificar sinais de confusão de Papéis?
Um candidato a conselheiro pode identificar antecipadamente situações onde poderá ser solicitado a desempenhar tarefas típicas de consultores ao prestar atenção em sinais específicos durante o processo de avaliação da oportunidade e interação com a empresa. Aqui estão algumas estratégias para detectar essa possibilidade:
1 Clareza no escopo do Papel: Ter clareza sobre o escopo do papel é fundamental, e uma forma de garantir isso é perguntar diretamente sobre as expectativas relacionadas à atuação no conselho. Empresas que não definem claramente as responsabilidades do conselheiro podem facilmente confundir suas funções com as de um consultor. Além disso, é essencial analisar documentos formais, como o convite, o termo de posse ou o regulamento do conselho, para identificar e esclarecer possíveis ambiguidades quanto ao escopo das atribuições.
2. Sinais no processo de seleção: Durante o processo de seleção, é importante estar atento aos sinais que podem indicar a expectativa de um papel mais operacional do que estratégico. Se as perguntas feitas pelos entrevistadores focarem predominantemente em execução prática, como “implementar” soluções ou “gerenciar projetos”, isso pode revelar que a empresa está buscando um consultor disfarçado de conselheiro, o que não corresponde à verdadeira função de um membro do conselho.
3. Estrutura e maturidade da Empresa: A estrutura e a maturidade da empresa são fatores determinantes para o papel do conselheiro, sendo que empresas menores, em fase inicial ou com governança pouco estruturada, tendem a sobrecarregar conselheiros com tarefas operacionais devido à falta de recursos internos. Para avaliar essa possibilidade, é importante verificar se existem lideranças internas ou equipes dedicadas a funções operacionais, como marketing, finanças ou tecnologia. Caso essas equipes sejam insuficientes, há uma grande probabilidade de que as demandas operacionais sejam transferidas para os conselheiros.
4. Perfil da demanda no Conselho: O perfil da demanda no conselho pode indicar a real expectativa em relação ao papel do conselheiro. Avaliar os tipos de problemas e desafios discutidos durante as reuniões ou no processo de onboarding é essencial. Se houver uma ênfase excessiva na resolução de questões técnicas ou operacionais de curto prazo, isso pode comprometer o papel estratégico do conselheiro, desviando-o de suas principais responsabilidades.
5. Cultura Organizacional e entendimento de Governança: A cultura organizacional e o entendimento de governança são fatores críticos para definir as expectativas em relação ao papel do conselheiro. Empresas com pouca familiaridade com práticas de governança podem não distinguir claramente as funções de conselheiro e consultor. Para esclarecer essa questão, é importante perguntar sobre a experiência da empresa com conselhos anteriores e compreender a visão de governança que desejam implementar, identificando possíveis lacunas nesse entendimento.
6. Remuneração e expectativas: A remuneração e as expectativas associadas ao papel devem ser analisadas cuidadosamente, pois podem revelar indícios sobre a verdadeira natureza da função. Se a remuneração oferecida estiver alinhada a uma carga horária extensa e a atividades de dedicação prática, isso pode indicar que o papel inclui tarefas típicas de consultores, desviando-se das responsabilidades estratégicas esperadas de um conselheiro.
7. Disposição para contratar Consultorias externas: A disposição da empresa para contratar consultorias externas é um indicador importante sobre as expectativas do papel do conselheiro. Perguntar se a empresa já utiliza ou planeja utilizar consultorias para questões práticas pode esclarecer essa dinâmica. Uma relutância em considerar esse tipo de apoio externo pode ser um sinal de que esperam que o conselheiro assuma funções operacionais, desviando-se de seu foco estratégico.
Ao observar esses sinais e levantar perguntas claras antes de aceitar uma posição, o condidato a conselheiro pode identificar antecipadamente situações que possam desviar o foco estratégico de sua atuação e tomar uma decisão mais informada sobre sua participação no conselho.
C. O que fazer ao enfrentar a situação?
Se você aceitar uma posição de conselheiro e posteriormente perceber que está sendo solicitado a atuar como consultor, é importante abordar a situação de forma profissional, transparente e estratégica para proteger sua reputação, alinhar expectativas e evitar comprometer sua função no conselho. Aqui estão os passos recomendados:
1. Avalie a situação com clareza: Avaliar a situação com clareza é fundamental para entender as reais expectativas da empresa em relação ao papel do conselheiro. Reflita sobre as solicitações feitas e determine se elas representam um desvio para atividades operacionais ou de consultoria. Além disso, é importante verificar se essas solicitações são pontuais ou se revelam uma expectativa recorrente, o que pode comprometer a atuação estratégica esperada de um conselheiro.
2. Revisite o escopo original do Papel: Revisitar o escopo original do papel é essencial para alinhar expectativas e responsabilidades. Consulte o documento formal que descreve suas atribuições como conselheiro, como o termo de posse, o regulamento do conselho ou a carta convite. Esses documentos servem como uma base sólida para justificar a necessidade de redirecionar demandas que extrapolem o papel estratégico originalmente estabelecido.
3. Converse com o Presidente do Conselho, com o proprietário ou com o CEO: Converse com o presidente do conselho ou com o CEO para abordar a situação de forma direta e construtiva. Agende uma reunião privada e explique que identificou um desalinhamento entre as expectativas atribuídas a você e as responsabilidades tradicionais de um conselheiro. Durante a conversa, reforce que sua função é essencialmente estratégica e que assumir tarefas operacionais ou de execução pode comprometer tanto sua independência quanto a qualidade da governança, prejudicando os objetivos do conselho.
4. Sugira alternativas para demandas operacionais: Sugira alternativas para lidar com as demandas operacionais, propondo que essas atividades sejam delegadas a consultorias externas ou à equipe interna da empresa. Posicione-se como um facilitador estratégico, oferecendo-se para orientar e supervisionar o trabalho dessas consultorias, garantindo que sua atuação permaneça alinhada ao escopo original de conselheiro e focada em contribuir para a governança e a estratégia organizacional.
5. Defina limites claros: Definir limites claros é essencial para alinhar expectativas e preservar sua independência como conselheiro. Após a conversa, estabeleça de forma objetiva os tipos de contribuição que você pode oferecer, enfatizando que sua atuação será focada em análises estratégicas, direcionamento de alto nível e suporte em decisões críticas. Caso surjam demandas que ultrapassem esses limites, recuse-as educadamente, explicando que essa postura é necessária para garantir a qualidade da governança e a manutenção de sua imparcialidade no conselho.
6. Documente interações e decisões: Documentar interações e decisões é uma prática fundamental para proteger sua posição e evitar mal-entendidos no futuro. Mantenha registros detalhados de todas as conversas e decisões relacionadas ao seu papel no conselho, especialmente aquelas que envolvam discussões sobre escopo de responsabilidades e alinhamento de expectativas. Esses registros podem ser indispensáveis para esclarecer situações controversas e preservar sua reputação profissional.
7. Avalie a continuidade no Conselho: É fundamental valiar a continuidade no conselho caso a empresa insista em atribuir a você um papel operacional ou de consultoria que comprometa sua independência e eficácia como conselheiro. Reflita se a posição continua alinhada com seus objetivos e valores profissionais. Se decidir deixar o cargo, proceda de forma ética, comunicando sua decisão com respeito e transparência, explicando suas razões de maneira construtiva para preservar relacionamentos e sua reputação.
Ao seguir esses passos, você demonstra profissionalismo e responsabilidade, além de proteger sua integridade e reputação enquanto busca alinhar expectativas com a empresa.
D. Quando atuar como consultor pode ser aceitável?
Este tipo de situação pode ser aceitável para um conselheiro em circunstâncias específicas, onde o envolvimento em tarefas de consultoria agrega valor estratégico à empresa e está alinhado às expectativas previamente acordadas. Algumas dessas situações incluem:
1. Empresas em fase inicial ou estruturação: Em startups ou empresas de pequeno porte, onde a estrutura interna ainda está em formação, pode ser aceitável que o conselheiro assuma temporariamente um papel mais ativo. Nessas situações, é comum que ele ajude a estabelecer processos básicos, frameworks estratégicos e os fundamentos da governança inicial, contribuindo para o desenvolvimento da empresa até que ela alcance maior maturidade organizacional.
2. Conselhos Consultivos com foco operacional: Em conselhos consultivos, que tendem a ter um papel mais flexível e adaptável em comparação aos conselhos de administração, é comum que se espere do conselheiro uma orientação mais prática. Nessas circunstâncias, pode ser aceitável que ele se envolva em atividades pontuais que demandem execução, desde que isso esteja claramente alinhado com as expectativas e objetivos do conselho.
3. Projetos “estratégicos” de curto prazo: O envolvimento do conselheiro em projetos estratégicos de curto prazo pode ser aceitável quando solicitado a apoiar iniciativas pontuais que demandem sua expertise específica, especialmente se o impacto do projeto for crítico para os objetivos de longo prazo da empresa. Nesses casos, é fundamental que a atividade seja temporária, com escopo bem definido, para que não interfira em suas responsabilidades estratégicas e na independência de sua função.
4. Acordo prévio e transparente: Um acordo prévio e transparente é essencial caso o papel híbrido, combinando as funções de conselheiro e consultor, tenha sido discutido antes da sua nomeação. Nessa situação, é fundamental que a compensação seja adequada e que os limites sobre o nível de envolvimento operacional esperado estejam claramente definidos, garantindo alinhamento de expectativas e preservando a clareza das responsabilidades.
5. Situações de crise: Em situações de crise ou períodos de transição significativa, como fusões, reestruturações ou mudanças de mercado, é compreensível que o conselheiro seja solicitado a contribuir com maior intensidade em áreas operacionais. Esse envolvimento pode ser essencial para ajudar a empresa a superar o momento crítico, desde que seja temporário e alinhado com os objetivos estratégicos de longo prazo.
6. Complementação de expertise não disponível internamente: A complementação de expertise não disponível internamente pode justificar a atuação prática do conselheiro em situações onde a empresa enfrenta uma lacuna de conhecimento ou experiência em uma área específica. Nesses casos, o envolvimento do conselheiro pode ser essencial para atender a uma necessidade crítica de curto prazo, desde que esteja claramente definido e limitado em escopo e duração.
7. Remuneração e reconhecimento adequados: A remuneração e o reconhecimento adequados são fundamentais quando o conselheiro assume trabalho adicional de consultoria. Esse envolvimento só é justificável se for devidamente compensado e se não comprometer sua função principal no conselho, garantindo que o equilíbrio entre as responsabilidades estratégicas e operacionais seja mantido.
Mesmo nesses casos, é fundamental que o conselheiro defina limites claros para evitar comprometer sua independência e sua função estratégica. Além disso, a atuação em tarefas de consultoria deve ser temporária, alinhada ao plano estratégico da empresa e compatível com os princípios de boa governança.
Artigo originalmente publicado na Newsletter “On the Path to The Board”

Alexandre Oliveira, PhD é conselheiro de administração e consultivo. Professor convidado no IBGC e FGV-EAESP. Fundador do programa de mentoria Rumo ao Conselho e da Cebralog – Rede de Franquia Educacional..
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